Ensaios sobre Cinema, Filosofia e Educação

Notas pessoais sobre cinema, filosofia e educação

quarta-feira, julho 31, 2013

Universidade Monstros e o antigo embate “teoria vs prática”


Os amigos Wazowski e Sullivan são a personificação das duas faces que caracterizam o modo como lidamos com o conhecimento.

Por Cristiano de Jesus

Universidade Monstros, a mais nova animação da Pixar Animation Studios, causou-me agradável surpresa ao dramatizar um antiquíssimo embate: o que é mais importante, a teoria ou a prática?

Na história, Mike Wazowski é o intelectual, conhece todos os estudos e técnicas da arte do susto, possui alto desempenho quando tem que lidar com princípios e fundamentos. Está sempre carregando livros e cadernos de anotações. Conhece todos os principais autores da sua área e sabe discuti-los muito bem sempre que é arguido.

Por outro lado seu companheiro de quarto, James Sullivan é o operário. Pra ele todo esse blá blá blá interminável de definições, explicações, procedimentos são perda de tempo e material de pouca serventia.

Como não lembrar de Escola de Atenas, afresco de Rafael em que são retratados, no centro da figura, Platão apontando o braço para o alto e, ao seu lado, Aristóteles indicando para baixo. O primeiro faz referência ao conhecimento puro e o segundo ao saber dos sentidos.



O desdobramento não poderia ser melhor. Os dois amigos descobrem que são ineficientes sozinhos. Wazowski sabe tudo sobre os fundamentos mas não consegue assustar nem mesmo uma mosca e Sullivan consegue fazer qualquer um botar o coração pela boca porém sem a orientação de certos princípios se torna estabanado e nem sempre a coisa acaba bem. Mas eles se tornam imbatíveis quando trabalham juntos.

A discussão iniciada por Platão e Aristóteles continua até hoje mas já há uma tendência na superação dos dualismos radicais e dos maniqueísmos. A metafísica, ou o saber puro, raramente é tratado como suficiente assim como é rara a confiança extremada nos sentidos. Um dos primeiros a colocar essa oposição em questão quase dois mil anos depois foi Kant ao considerar que há sim categorias de conhecimento a priori, isto é, que todos nós temos em nossa biologia uma certa condição cognitiva mas por outro lado há competências que somente são desenvolvidas quando estamos em contato com o mundo.

Na filosofia contemporânea a teoria e a lógica não passam de possibilidades, mesmo quando funcionam, são como um jogo de quebra-cabeça faltando peças. Mesmo incompleto é possível ter uma ideia da imagem mas é imprudente assumir qualquer certeza. Seja como for a ação orientada pela reflexão, mantendo a disposição de empenhar correções no curso sempre que necessário, esse talvez seja a maneira mais prudente para lidar com o conhecimento.