Ensaios sobre Cinema, Filosofia e Educação

Notas pessoais sobre cinema, filosofia e educação

domingo, janeiro 01, 2006

Comentários sobre o filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate"

Introdução

"A Fantástica Fábrica de Chocolate", do original “
Charlie and the Chocolate Factory”, livro escrito por Roald Dahl, já possui três versões cinematográficas: 1964, 1971 e 2005. O grande sucesso de crítica não ocorreu por acaso. Trata-se de uma obra que representa aspectos complexos e extremamente importantes de serem discutidos e rediscutidos em todas as gerações.


Este texto contém as minhas impressões e interpretações sobre o filme em sua versão cinematográfica de 2005.

O filme

Willy Wonka é um excêntrico proprietário de uma fábrica de chocolates, além de brilhante inventor. Ele criou, por exemplo, guloseimas que nunca perdem o gosto, gomas de mascar que permitem fazer bolhas gigantes e outras ainda que dão a impressão de se estar ingerindo refeições completas, entre outros. Além dos doces, ele também foi o criador de uma imensa parafernália tecnológica, utilizada na sua fábrica, tão eficaz quanto inusitada no ponto de vista do que se conhece, convencionalmente, de ciência.

Seus negócios passaram a encontrar dificuldades quando funcionários da sua fábrica passaram a servir-se como espiões à concorrentes vendendo-lhes receitas roubadas.

Profundamente decepcionado, Wonka demitiu todos os funcionários e fechou as portas da fábrica prometendo nunca mais abri-la novamente. O chocolateiro voltou atrás do prometido quando, em uma viagem a uma estranha terra chamada Loompaland, foi recepcionado por uma tribo de Oompa Lompas – espécie humana bastante singular. No entanto, eles eram grandes apreciadores da semente de Cacau, matéria prima do chocolate, do qual raramente era encontrado no meio onde vivam. Vislumbrando a oportunidade de trazer sua fábrica novamente a ativa, longe dos riscos da espionagem industrial, Wonka propôs aos Oompa Lompas que trabalhassem para ele em troca de todo cacau que quisessem.

Após algum tempo com sua fábrica em funcionamento, Willy Wonka atemorizou-se com o futuro e sentiu que precisava de um herdeiro. Foi quando teve a idéia de criar cinco selos premiados distribuindo-os junto com suas barras de chocolate a diversas partes do mundo. As crianças sortudas que os encontrassem fariam uma visita as instalações da indústria tendo a oportunidade de ganhar um magnífico prêmio. Este prêmio seria a própria fábrica de chocolates.

Os ganhadores foram Augustus Gloop – um garoto alemão obeso; Veruca Salt – uma menina nascida em uma abastada família inglesa e que teve o selo premiado ao exigir que o seu pai, um empresário do ramo de nozes, o conseguisse a todo custo; Violet Beauregarde - esportista, lutadora de artes marciais e recordista do maior tempo mascando chicletes; Mike Teevee - um garoto prodígio, aficcionado por jogos eletrônicos; e finalmente, Charlie Bucket, um menino pobre que vive em um casebre as sombras da fabrica de Wonka, junto com seus pais, avós maternos e paternos sendo um deles, Grandpa Joe, um dos antigos funcionários demitidos com o fechamento da fábrica. O pai de Bucket era empregado de uma empresa tendo como função colocar tampas em bisnagas de creme dental.

O filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” possui como temática principal a ética e a moral tendo como cenário a sociedade mercantil e tecnocrata. Mesmo que outros temas envolvam a complexidade da natureza humana também saltem aos olhos, percebe-se que a temática da conduta é a espinha dorsal de todo o enredo; trata-se de um oceano do qual todos os rios desembocam.

Willy Wonka e as dificuldades de ser original


Willy Wonka é um gênio, que quando criança, foi fortemente oprimido pelo pai - o Dr Wonka, um dentista renomado que não permitia que seu filho se alimentasse de doces a fim de que não tivessem seus dentes danificados.

A opressão, como motivadora da exteriorização do potencial humano, é velha conhecida podendo-se encontrar inúmeros exemplos na realidade tais como a miséria de Abrahan Lincoln que não o impediu de ter sido um grande líder; assim como a poliomelite de Franklin Roosevelt que não foi uma barreira para que ele livrasse os Estados Unidos da maior depressão já vivida por aquele país; vale mencionar também que Luduvig Van Beethoven imortalizou-se como um dos maiores compositores da história, a despeito da sua surdez, além de tantos outros exemplos como estes.

Todavia, Willy Wonka não é apenas uma representação da superação de limites, cujo único aliado é o próprio talento, mas também a libertação do servilismo e do comportamento alienado e pacificado servindo-se de mero reprodutor ou continuador de culturas e padrões seculares.

Trata-se de um gênio, oposto do homem convencional, mediano, pacífico, imitador. Estes últimos são incapazes ao questionamento, aceitam somente os conceitos exatos. Por isso são sempre indecisos e amedontram-se com o desconhecido que os fazem resistir a qualquer inovação. Contudo, agem e pensam de acordo com as convencionalidades da sociedade que pertencem e de seus ancestrais genealógicos. Sendo a opinião alheia de extrema importância para seus juízos de valor, possuem imensa dificuldade para a abstração e, portanto, a imaginação dificilmente consegue antecipar-se as experiências.

O atual contexto do qual vivemos – tecnologia desenvolvida, alto aprimoramento das técnicas, acesso fácil a todo e qualquer tipo de informação, torna-se a circustância fértil e propícia ao cultivamento de mentes medíocres e domesticadas pela conveniência e pela rotina.

Este panorama tem ganhado tal amplitude que se pode perceber seus efeitos nas mais diversas áreas de atuação humana. O conhecimento convencional, mecanicista e dogmático são arregimentados formando-se sistemas de relações sociais que se alimentam da ingenuidade e incapacidade crítica e reflexiva dos seus membros.

Na Educação, há um incisivo debate afim de se encontrar formas para resgatar e preparar os educandos para o mundo de influências adestradoras do agora e do porvir. José Ingenieros, na sua obra “O Homem Medíocre” afirma que "enquanto a instrução se limita a difundir as noções que a experiência atual considerada mais exata, a educação consiste em sugerir os ideais que se presumem propícios à perfeição". A Educação é a saída para o fenômeno pertubador da domesticação e do adestramento da sociedade.

Os Oompa Lompas e o homem domesticado

Os Oompa Lompas constituem-se do exemplo perfeito do homem desprovido de substância, que busca única e exclusivamente a satisfação de necessidades mínimas a sua sobrevivência e que satisfazem nada mais que as contingências da vida prática alicerçada por superstições e dogmatismos. Em troca dela, organizam-se em um regime servil com o fim de sustentar e garantir a continuidade de todo um sistema. Diante de tais propriedades, é difícil até mesmo de distinguir o indivíduo do coletivo, pois este ocupa-se demasiadamente em ser o que os demais do grupo acreditam que ele seja.

Um outro grupo com atributos semelhantes, está representado no filme pelo Sr. Bucket, genitor do pequeno Charlie Bucket. Constitue-se da mão-de-obra industrial surgida com o conceito de “Divisão do Trabalho”. Embora parecido, não é igual ao primeiro grupo. Os membros deste último comprazem-se em fazer parte de um sistema obedecendo cegamente seu
modus operandi, o que garante a sua sustentação, sendo que julgam estar sendo abastecidos pelas suas necessidades fundamentais. O Sr. Bucket é fruto de um sistema político e econômico que visa o aumento da produção industrial a baixos custos financeiros. Adam Smith acreditava que esta divisão incentivaria a noção de cooperação e assistência na sociedade. Ele estava errado. Na verdade, Smith, sem se dar conta, estaria inaugurando uma nova era, a era da miséria criativa e da ausência do espírito inovador entre as massas. Mais tarde ele reconheceu isso ao declarar que “o homem que passa a vida inteira a repetir uma operação simples cujos efeitos também serão os mesmos ... não tem a oportunidade de exercitar seu julgamento, de fazer funcionar seu espírito de invenção, de procurar meios de sanar dificuldades que nunca ocorrem. Naturalmente perderá o hábito de tais esforços e, por conseguinte, se tornará tão estúpido e tão ignorante quanto possa tornar-se uma criatura humana”.

Nos tempos modernos, as organizações capitalistas, muito mais complexas e avançadas com relação aos métodos de trabalho, as técnias e a tecnologia, passaram a atribuir maior importância aos aspectos humanos, psicológicos e sociológicos, graças, em grande parte, ao desenvolvimento das ciências humanas e sociais tais como a Psicologia, Sociologia, entre outros. De qualquer forma, elas respondem à sua natureza essencial buscando o objetivo da lucratividade. Embora o ser humano tivesse ganhado maior atenção, o seu papel ainda está muito próximo, em semelhança, de um instrumento que pode ser manipulado e manejado afim de se alcançar a meta primordial.

Augustus Gloop e a lei de menor esforço

As cinco crianças que ganharam o selo de ouro, são representantes legítimos dos diversos estereótipos do homem moderno.

A obesidade de Augustus Gloop é um fenômeno crescente e cada vez mais comum devido ao amor punjante entre o homem e as máquinas. Os primeiros filósofos surgiram devido a significativa melhoria no seus estilos de vida, que os permitiram não dedicaram-se tanto tempo a busca de alimentos e a luta pela sobreviência, tendo eles, portanto, maior tempo livre para o pensamento reflexivo.

Atualmente, porém, além do tempo ainda maior, o considerável avanço das técnicas e das tecnologias permitiram ao homem moderno poupar-se dos esforços físicos, resultando, portanto, do aumento do peso médio da população.

Se o homem primitivo obedecia a lei da sobrevivência, o homem moderno obedece a lei do menor esforço. Se é difícil subir escadas, cria-se as escadas-rolantes; se é difícil caminhar ou pedalar bicicletas, cria-se os veículos motorizados; se é difícil cozinhar, cria-se os
fast foods; se é difícil pensar, cria-se os programas televisivos, as religiões fundamentalistas, e outros.

Em poucas palavras, o filósofo Immanuel Kant, descreve ironicamente o pensamento do homem contemporâneo: "Se tenho um livro que pensa por mim, se tenho um pastor espiritual, cuja consciência pode substituir-se à minha, e também um médico que me prescreve certo modo de viver, etc., então não necessito esforçar-me ... que outros se ocupem deste assunto desagradável em meu lugar."

Mike Teevee, Violet Beauregard e o tecnocratismo desmedido da sociedade moderna

Mike Teevee é a representação clara do tecnocratismo, da veneração do homem pelo resultado, do aprimoramento da técnica, isto é, do avanço do conhecimento técnico-científico impulsionando a tecnologia e permitindo o surgimento de máquinas, aparelhos eletrônicos, informática, telecomunicação. Este fenômeno da tecnicização, próprio de uma sociedade mercantil onde se privilegia a produtividade, pode ser observado, inclusice, em práticas essencialmente humanas como a medicina, as ciências sociais e humanas. Até mesmo a Filosofia tem passado por uma crise por estar sendo instrumentalizada em detrimento da criatividade, da imaginação e do idealismo, tão importantes para o ato de pensar e inovar. O grande problema deste processo é o aumento cada vez maior do fosso que separa as classes sociais. Aqueles que possuem maiores condições econômicas de obter o domínio e o conhecimento da técnica, além da possibilidade de empregá-las, adquirem uma larga vantagem aos demais que constituem-se da maioria, das massas sociais.

Um dos efeitos deste processo pode ser observado em Violet Beauregarde que possui e alimenta uma noção de competitividade destoada do que se pode considerar de equilibrado, privilegiando-a excessivamente. Trata-se de um comportamento comum em uma sociedade onde o poder se encontra nas mãos daqueles que possuem habilidade com as técnicas. O acesso difícil e restrito a ela, acirra o sentimento de competição entre aqueles que a almejam.

Veruca Salt, o “pecado” de ser rica e Charlie Bucket, ética, moral e bom senso

Veruca Salt em contraste com Charlie Bucket demonstra também um outro efeito deste distanciamento de realidades e posições sociais. No entanto é curioso o privilegiamento, nesta ficção, ao pobre e oprimido. Uma visão bastante natural no mundo ocidental cristão. Todavia, deixando de lado os clichês, é evidente o caráter ético do personagem Charlie Bucket. Este é o porta voz do que o autor considera importante em termos de conduta nas relações humanas.

Charlie é sonhador, obstinado, humilde, e possui valores completamente inversos das demais crianças. Ele não é ansioso e ganancioso como Augustus Gloop; não atribui valor demasiadamente alto ao poder como Violet Beauregarde; está habituado a, ele mesmo, ir em busca da realização dos seus propósitos e sonhos, ao contrário de Verusca Salt; e também, em contraste com Mike Teevee, é maleável com relação ao que se é possível construir com o conhecimento técnico-científico, não atribuindo mais importância a tecnologia do que as relações humanas.

Algo ainda que se pode observar é a sua capacidade de se deslumbrar diante de uma realidade totalmente nova que lhe é apresentada ficando atento a toda informação que lhe possa exclarecer o desconhecido. As demais crianças e seus pais, ao contrário, questionam a veracidade de tudo pois estão miopizados por suas vidas de rotinas e conhecimentos que não vão além das suas próprias e limitadas experiências co
ncretas, estando frios até mesmo para a apreciação da arte.

A atitude de Charlie é própria de um indagador que ao invés de atribuir um juízo de valor a uma determinada realidade, busca conhecer os mecanismos, condicionamentos e motivações que a engendram para daí sim exercitar suas reflexões. O pequeno Bucket também não se deixa corromper pelo materialismo vulgar, próprio de todos este cenário, ao manter sua família no mesmo nível de importância em sua vida, mesmo diante da possibilidade de enriquecimento. Além de tudo isso, serve-se como resgatador de Willy Wonka da escuridão do seu trauma de infância, trazendo-o a luz ao colocá-lo em contato novamente com seu velho pai Dr Wonka cujas convicções foram suavizadas pelo amadurecimento.

Considerações Finais

Este texto não se constitui em nada mais senão nas minhas impressões e interpretações. Obviamente muito ainda há para se escrever pois é impossível não deixar escapar certos aspectos a serem explorados em uma obra desta grandeza. “A Fantástica Fábrica de Chocolate” deve ser reeditada e reexibida para todas as gerações pois tamanho é a sua importância.

Leitura recomendada

DAHL, Road.
A Fantástica Fábrica de Chocolate. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2000.

INGINIEROS, José.
O Homem Medíocre. Editora Quartier Latin. São Paulo, 2004.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.
Manifesto do Partido Comunista. Editora L&PM Editores. Porto Alegre, 2001.

ORWELL, George.
1984. Editora Nacional. São Paulo, 2003.

SMITH, Adam.
A Riqueza das Nações. Editora Martins Fontes, 1999.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez.
Ética. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2005.